As eleições regionais, ocorridas
recentemente na Espanha, fortaleceram a presença de novos partidos de
esquerda, como o Podemos, e reduziram o apoio das urnas aos tradicionais
Partido Popular (PP) e Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), que
desde 1982 disputam a hegemonia no País.
A participação dos jovens neste
pleito chama atenção. Dos 35 milhões de votantes, cerca de 1,5 milhão
registrou-se como eleitor pela primeira vez. Um número fantástico,
segundo a própria imprensa. Essa ‘oxigenação das ruas’ conhecida como
‘indignados’ teve início no ano de 2008, após a crise econômica, com
forte participação dos movimentos sociais.
No Brasil, em junho de 2013, os
‘indignados’ inundaram ruas e praças de norte a sul, rufando tambores,
batendo palmas, levantando cartazes, exigindo com suas vozes roucas o
fim da corrupção, o fim do voto secreto no Congresso Nacional, mais
investimentos em saúde, educação, segurança.
Porém, em 2014, ano de eleições
presidenciais, esse movimento de rua restringiu-se, timidamente, a uns
poucos protestos regionalizados. No entanto, em 2015, eis que as
manifestações ressurgiram com força total nos meses de março e maio. A
pauta vem se alargando com a introdução da defesa dos direitos dos
trabalhadores, aposentados e pensionistas e o fim do fator
previdenciário.
Vemos hoje no País uma forte
tendência de aplicação de políticas conservadoras e antissociais.
Primeiro, porque tanto o Senado Federal quanto a Câmara dos Deputados
elegeram mais representantes identificados com a dita direita. E isso
faz muita diferença. Já a bancada do social, uma trincheira histórica,
perdeu espaço.
Semanas atrás a Câmara deu claro
sinal de que o ‘mar não está pra peixe’ para os trabalhadores. Ela
aprovou projeto sobre terceirização, que na prática restringe direitos
da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da Constituição ‘Cidadã’ de
1988. O projeto (PL 30/2015) está no Senado agora, e eu serei seu
relator na Comissão de Direitos Humanos.
Nós estamos falando aqui, e chamando
a atenção da sociedade brasileira para o fato de que estão em jogo
direitos sagrados da nossa gente, alcançados a duras penas, com muita
luta e sacrifícios: Carteira de Trabalho, Previdência Social,
Seguro-Desemprego, Vale-Transporte, Férias, 13º salário, FGTS,
Salário-Mínimo, adicionais, entre outros.
Inacreditavelmente, o Governo
federal, tendo à frente o PT, partido ao qual sou filiado desde 1985,
enviou, no final do ano passado, duas medidas provisórias (MPs 664 e
665), o chamado ajuste fiscal que, no meu entendimento, provocará
arrocho salarial. Não tenho dúvida alguma de que a corda arrebentará no
lado mais fraco. Perderão os trabalhadores.
Sobre essas duas medidas o
Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos
(DIEESE), entidade respeitada e que há anos colabora com os movimentos
sindical e social, emitiu parecer técnico com a seguinte avaliação:
“Por mais que o governo federal
alegue que não há retirada de direitos dos trabalhadores e
trabalhadoras, as novas regras limitam o acesso de milhões de
brasileiros a esses benefícios, o que na prática, significa privar
parcela mais vulnerável da população de benefícios que lhes eram
assegurados”.
André Singer, professor da Universidade de São Paulo (USP) e porta-voz do governo Lula no período de 2003 a 2007, é incisivo:
“O objetivo é fazer um reajuste
recessivo, até produzir uma quantidade de desemprego que leve à redução
do salário dos trabalhadores. Os defensores desse modelo defendem que,
se o Brasil não fizer isso, não será competitivo internacionalmente. É
por isso que não podemos aceitar esse ajuste”.
É inegável que a partir de 2003, com
a chegada do PT ao Palácio do Planalto, o Brasil deu um enorme salto
qualitativo e quantitativo em políticas de inclusão social, combate ao
desemprego e melhoria da renda do trabalhador. É notório que milhões de
brasileiros saíram da extrema pobreza. Hoje, milhões possuem casa
própria.
No entanto, há uma clara opção do
atual Governo federal contra essas políticas que foram vitoriosas e que
são as verdadeiras raízes do PT. A mim parece que o governo está de mãos
amarradas, não tem as rédeas das decisões políticas e tampouco daquelas
relacionadas à economia. Estaria o Brasil já vivendo em sistema
parlamentarista? Isso é inadmissível.
Dois movimentos poderiam ser feitos.
Um, dentro do próprio PT, com a militância exigindo a volta do partido
as suas raízes, ao núcleo originador e fomentador das nossas lutas e
conquistas. O PT foi criado para defender os trabalhadores e o Brasil. O
PT chegou ao Governo para dar mais Brasil aos brasileiros. O partido
precisa entender isso, caso contrário pagará com a sua própria história.
Para nós, que ainda sonhamos, acreditamos e temos esperança em um País
melhor para todos, só restará caminhar por uma nova estrada.
Não há saída sem o povo nas ruas:
esse é o segundo movimento. Os brasileiros, sejam eles de que classe
forem, os movimentos sindical e social, os aposentados, os estudantes,
os jovens, assim como fizeram os da Espanha, dentro do resguardo da lei,
devem romper o silêncio, pois ele é a principal barreira que sufoca e
mata a indignação. Todo poder às ruas.
Paulo Paim é presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal.
Artigo originalmente publicado no El País.