Para o professor do Instituto de Estudos Avançados da USP, Bernardo
Sorj, não há nenhuma razão para que empresas façam doações para
candidatos, partidos e campanhas eleitorais: “empresas não são cidadãos
nem possuem título eleitoral. Seus objetivos são econômicos: produzir
lucro para os proprietários, gerar emprego e crescimento”.
Ele também se
posiciona contra o uso de recursos públicos para publicidade.
Leia abaixo o artigo de Sorj sobre o assunto:
Empresas não votam
Não há razão para que empresas doem a partidos, candidatos ou campanhas. Empresas não são cidadãos nem possuem título eleitoral
Desde o final do ano passado, pelo menos, o vice-presidente da
República, Michel Temer, defende a tese de que empresas privadas
deveriam fazer doações para campanhas eleitorais desde que escolhessem
um só partido. Isso, supostamente, levaria a uma maior "moralização" da
vida pública.
A posição não se sustenta nem do ponto de vista dos princípios da vida democrática nem do de suas consequências práticas.
Se empresas podem fazer doações, então, por que não podem simpatizar
com mais de um partido, como ocorre com muitos eleitores? O que fazer
quando a empresa tem dois ou mais proprietários que têm diferentes
orientações partidárias?
As empresas cotadas na Bolsa devem levar em consideração as opções de
todos acionistas ou devem decidir em assembleia a quem doar?
Do ponto de vista prático, a proposta igualmente não faz sentido:
concentrar as doações em um só partido não significa que as empresas não
venham a usar seus aportes para, posteriormente, influenciar
parlamentares ou membros do Executivo. Aliás, se for para doar para um
partido só, o mais obvio é que o façam para o PMDB, que estará na base
de qualquer governo.
Não há nenhuma razão para que empresas façam doações para candidatos,
partidos e campanhas eleitorais. Empresas não são cidadãos nem possuem
título eleitoral. Seus objetivos são econômicos: produzir lucro para os
proprietários, gerar emprego e crescimento.
A definição do projeto de lei do novo Código Comercial diz: "A
empresa cumpre sua função econômica e social ao gerar empregos, tributos
e riqueza, ao contribuir para o desenvolvimento econômico da comunidade
em que atua".
Quando doa para uma campanha uma empresa destrói o princípio da
representação, pois o candidato eleito, no lugar de responder ao
conjunto de seu eleitorado, é capturado e privatizado pelos seus
financiadores. Por isso doações de empresas foram banidas na maioria dos
países democráticos.
O empresário, enquanto cidadão, tem direito a fazer doações, mas não
deveria haver a possibilidade de dedução do Imposto de Renda, já que
parte dos recursos doados estariam sendo financiados pelo resto da
população. E, é claro, essas doações teriam um teto, que não permitisse a
transferência da desigualdade econômica para a política.
O argumento a favor de doações de campanha, que não pode ser
ignorado, é que elas representam o único caminho para obter recursos por
aqueles que não fazem parte do governo, o qual utiliza sua máquina para
transferir verbas orçamentarias para se autopromover e apoiar os
partidos e políticos da situação.
É um argumento com sólido fundamento na nossa realidade. Os governos
utilizam o orçamento de comunicação para contratar serviços de empresas
de publicidade que fizeram suas campanhas. Mobilizam de forma descarada
recursos públicos para divulgar obras governamentais e financiar meios
de comunicação, impressos ou audiovisuais.
Uma legislação que proíba doações de empresas, portanto, deve incluir a proibição do uso de recursos públicos para publicidade.
Idealmente, os governos só poderiam fazer campanhas de interesse
público --divulgação de programas de vacinação, por exemplo--, sem uso
de slogans que as identificassem com a gestão. O uso de recursos
públicos para apoiar meios de comunicação deveria ser feito somente
mediante regras de transparência e de universalidade.